sábado, 9 de março de 2013





Chica da Silva não foi uma devassa sexual como retratou a mídia!





A ex-escrava Francisca da Silva viveu no Brasil durante o período colonial da mineração, no século XVIII. Ela foi casada não oficialmente com o contratador de diamantes João Fernandes de Oliveira. Conhecida como Chica da Silva, foi retratada pela mídia, novelas, séries e filmes como um símbolo de devassidão e lascividade sexual. No entanto a realidade foi bem diferente.


Chica nasceu por volta de 1732, no arraial do Milho Verde, a meio caminho entre o Arraial do Tejuco e a Vila do Príncipe, hoje cidade do Serro. Era mulata clara, filha de negra, uma escrava importada da Costa da Mina, com um homem branco, um português.

Quando ainda adolescente, na qualidade de escrava doméstica, Chica pertenceu ao médico português Manuel Pires Sardinha, então com sessenta anos, com quem teve seu primeiro filho, um menino, não reconhecido na certidão de batismo, mas, nascido como forro, com a morte do pai, posteriormente considerado seu herdeiro.

Chica da Silva tinha entre dezoito e vinte e dois anos quando conheceu o grande amor de sua vida, João Fernandes de Oliveira, então com 26 anos, o qual fora anteriormente sargento-mor e que na altura representava a Coroa portuguesa na região das Minas Gerais. João Fernandes era desembargador do Tribunal da Relação do Porto e juiz do Fisco das Minas Gerais.

Ele comprou a escrava Chica de Manuel Pires Sardinha por oitocentos réis e no Natal do mesmo ano a alforriou. Alforriar uma escrava logo após sua aquisição não era atitude freqüente entre os proprietários mineiros. Nesse caso, é muito difícil dizer os reais motivos que levaram o contratador a fazer isso, mas é provável que a intenção fosse estabelecer família e constituir herdeiros.

O detalhe é que o contratador de diamantes João Fernandes já era oficialmente casado com Maria de São José, natural do Rio de Janeiro e com ela havia tido um filho, estudante em Portugal, na Universidade de Coimbra, onde recebeu o importante título comprado pelo pai de Cavaleiro da Ordem de Cristo. 

Não obstante, João Fernandes de Oliveira teve uma longa relação com a mulata Francisca que, depois de alforriada, assumiu o nome de Francisca da Silva de Oliveira – a Chica da Silva. O casal viveu junto como se casado fosse, sendo até certo ponto aceito pela sociedade local da época. 

Ao contrário do que retratou a mídia brasileira, Chica da Silva só conheceu intimamente, além do médico Manuel Pires, o contratador.

Meses depois de comprada por João Fernandes, já em 1754, ela ficou grávida e em abril do ano seguinte, batizou a primeira filha do casal, a mulata Francisca de Paula. Ao todo teve treze filhos com o contratador, nove mulheres e quatro homens.

A média de um filho a cada treze meses faz desmoronar a figura sensual e lasciva, devoradora de homens, à qual Chica sempre esteve ligada. João Fernandes nunca teve dúvidas sobre a paternidade dos filhos, legitimando e tornando todos eles herdeiros de todo o seu patrimônio.

Entre os padrinhos dos filhos de Chica e João Fernandes não havia autoridades importantes da capitania ou mesmo do distrito, o que faz supor certa dificuldade do contratador em estabelecer alianças com representantes da Coroa. O casamento era aceito no arraial, na elite local, mas por ser ilegal não permitia que João Fernandes criasse laços sólidos de amizade política. O batismo dos filhos e a escolha dos padrinhos era uma boa oportunidade de realizar essas “alianças”, mas nesse caso, apenas locais.

As crianças foram batizadas por importantes moradores do Tejuco, sinal provável de que a sociedade local aprovava aquela relação não oficial entre pessoas diferentes em suas condições sociais. Curiosamente foi Manuel Pires Sardinha, ex-senhor e pai do primeiro filho de Chica, quem batizou sua primeira filha com João Fernandes de Oliveira. Outros padrinhos eram militares locais de baixas patentes, como o sargento-mor Antonio Araújo de Freitas, o capitão Luis Lopes da Costa e os capitães Francisco Malheiros e Luis de Mendonça Cabral.

Francisca da Silva de Oliveira agia com qualquer senhora da elite social. Educou todas as filhas no Recolhimento de Macaúbas, o melhor educandário das Minas. Chica, os filhos e o marido participaram de diversas irmandades religiosas da região, como Santíssimo Sacramento, São Miguel e Almas, São Francisco de Assis, Terra Santa, Nossa Senhora do Carmo do Tejuco e da Vila do Príncipe, São Francisco, Terra Santa e também das irmandades de mulatos negros, como Nossa Senhora do Rosário e Mercês.

Chica da Silva foi uma boa mãe e esposa honrada. Quando o marido foi obrigado a retornar para Portugal, assumiu a educação das filhas, mantendo-se fiel ao esposo. Cada uma das filhas recebeu do pai uma fazenda como herança e, assim, realizaram seus casamentos com homens bem posicionados socialmente.

João Fernandes levou para Portugal os quatro filhos homens, além de Simão Pires Sardinha, o primeiro filho de Chica com o médico português. Seu filho João se tornou seu principal herdeiro, que constituiu na Metrópole o Morgado do Grijó, destinando-lhe dois terços de seus bens. José Agostinho, outro filho, tornou-se padre e recebeu dote para ocupar uma capela. Simão Sardinha, mais um filho do casal, estudou em Roma, comprou títulos de nobreza e patente de tenente coronel da cavalaria no regimento de Dragões de Minas Gerais.



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