Iraquianos preferem ignorar 10º aniversário da guerra
Bagdá – A guerra que chegou uma década atrás ainda é dolorosa e controversa em demasia para ser ensinada às crianças na escola ou virar tema de um estudo acadêmico sério nas universidades, e a imprensa local está ocupada demais relatando os últimos atentados a bomba, protestos e discordâncias políticas para dar muita atenção a um aniversário.
A guerra que chegou uma década atrás ainda é dolorosa e controversa em demasia para ser ensinada às crianças na escola ou virar tema de um estudo acadêmico sério nas universidades, e a imprensa local está ocupada demais relatando os últimos atentados a bomba, protestos e discordâncias políticas para dar muita atenção a um aniversário.
Assim, enquanto historiadores, especialistas e ex-integrantes do governo em Washington e Londres produzem uma onda de lembranças por conta do décimo aniversário da invasão do Iraque – foram realizados simpósios, escritos livros e publicados novos estudos sobre o preço do conflito, em termos humanos e financeiros –, os iraquianos estão mais preocupados com o presente.
Na manhã de sexta-feira num pet shop no centro desta cidade, Hasim al-Shimari observava uma rinha de galos e ofereceu uma resposta para quem comemora o aniversário da guerra.
"Está vendo estas pessoas? Estão aqui vendendo aves para ganhar um dinheirinho para ajudá-los a viver. As pessoas não estão interessadas nisso. Estão desesperadas e querem ver mudança real, então pararam de ver as notícias ou se lembrar de eventos passados", ele discorreu.
Durante entrevistas recentes realizadas por aqui, a maioria dos iraquianos, a exemplo de al-Shimari, disse pensar pouco ou nada sobre a chegada do aniversário, que cai nesta quarta-feira, embora a visão de equipes de televisão estrangeiras filmando pela cidade nesta semana os relembre que a guerra, pelo menos para os conquistadores, é algo que exige reflexão. "Se nossa situação fosse melhor do que esta, certamente nos lembraríamos do dia em que os norte-americanos vieram para libertar o Iraque e nos dar a chance de construir um futuro melhor", declarou al-Shimari. "Porém, os norte-americanos não nos deram essa chance. Eles fizeram todo o possível para garantir que o Iraque fosse arruinado."
Aqui, a guerra não está nos livros de História, sendo um evento cujo resultado ainda é incerto.
'Eu não me lembro quantos anos tenho', disse Abdullah Fadil, que vende chá desde 1982 em frente a uma mesquita em Adhamiya, bairro de maioria sunita na capital. 'Acordo todo dia com milhares de problemas, por que iria me lembrar disso?'
A imprensa local está focada em cobrir a ampliação das tensões sectárias e os protestos que se espalharam nas regiões de maioria sunita.
'Sei que entre meus amigos jornalistas nenhum tem disposição ou atenção para escrever a esse respeito ou fazer uma reportagem', disse Naseer Awam, diretor da NINA, a agência de notícias oficial iraquiana. Ele expressou pesar pelo fato de os iraquianos talvez não terem ganhado a perspectiva histórica adequada, afirmando que a imprensa 'deveria ter preparado reportagens extensas e uma narrativa dos eventos que começaram com a invasão liderada pelos EUA e suas consequências'.
Segundo ele, em resultado, os iraquianos talvez não 'compreendam o que isto ocasionou ao Iraque e a toda região'.
Para outro jornalista, Sabah Sellawi, editor do jornal 'Maysan', 'a instabilidade no Iraque é mais importante do que essa data'.
Além disso, se existe algum aniversário importante para os iraquianos, trata-se de nove de abril – dia em que Bagdá foi tomada pelas forças norte-americanas e vários iraquianos, com a ajuda de fuzileiros navais dos EUA, derrubaram uma estátua de Saddam Hussein num parque da cidade –, não o aniversário do começo dos bombardeios sobre a capital.
De acordo com muitos especialistas, o legado central da guerra é um sistema político que veio à luz pelas mãos dos EUA, no qual os despojos do poder estão divididos em meio a linhas sectárias e étnicas. Assim sendo, um acordo – nas ruas e no Parlamento – tem sido quase impossível. Hoje em dia, a noção de uma identidade nacional que supere o sectarismo parece uma fantasia.
'As pessoas costumavam sonhar com um Iraque para todos os iraquianos', afirmou Ahssan al-Shmmary, professor de ciência política da Universidade de Bagdá. 'O que antes era um sonho se tornou um pesadelo para os iraquianos.'
Ainda segundo ele, 'é por isso que as pessoas não pensam nisso (os dez anos da guerra)'.
Os comentários de Al-Shmmary desmentem seu destino. Como muçulmano xiita, ele viu a vida melhorar enormemente, pois a guerra derrubou a ordem social na qual a minoria sunita da população detinha o poder. 'Antes de 2003, eu parecia um escravo, ninguém notava a minha presença. Agora, sinto que existo neste mundo.'
Ele disse que se 'tornou um analista político famoso'.
Já os muçulmanos sunitas não se deram tão bem, e muitos iraquianos expressaram a sensação de que as tensões sectárias estão piorando.
Na noite de quinta-feira, Fadil, o vendedor de chá, estava sentado num café a céu aberto em frente à mesquita em Adhamiya, que há meses é palco de manifestações – das quais ele é um participante entusiasmado – dos sunitas após as orações de sexta-feira. Uma fila de veículos utilitários esportivos blindados indicava a visita da elite governante que, com seus comboios que impedem o trânsito e suas promessas não cumpridas de pelo menos manter as luzes ligadas e as ruas limpas – sem mencionar o que muitos qualificam como corrupção – parece ainda mais desconectada do povo comum.
Fadil, sunita que alegou ter trabalhado para a temida polícia secreta de Saddam Hussein – ele insistiu ter sido apenas cozinheiro, nunca portando armas –, declarou que não podia comprar uma casa e estava enfrentando dificuldades para sustentar a esposa e as quatro filhas. Segundo contou, Fadil costumava ganhar uma renda extra limpando as ruas do bairro, mas o governo entregou esse serviço a xiitas de outras partes da cidade.
'Os sunitas estão sendo negligenciados aqui. Eles não fazem parte das forças de segurança, nem do governo', afirmou.
Em outras palavras, ele tem mais preocupações prementes do que recordar-se de um dia o qual preferia esquecer.
'Nada foi conquistado, então por que eu deveria me lembrar disso?', ele questionou.
Na loja de produtos para animais, Karrar Habeeb, carpinteiro de 22 anos, fez uma pausa, demonstrando surpresa em relação àquele que certamente foi o momento mais importante de sua juventude.
'Eu não sabia disso', ele disse em relação ao aniversário. 'Ainda estamos falando dos norte-americanos? Não creio que precisemos fazer nenhum tipo de celebração nem fazer um esforço para lembrar aquele dia. Acho que até os norte-americanos desejariam poder se esquecer dele.'
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