A mulher que fugiu da Revolução Cultural da China para virar CEO de tecnologia
Depois de ser exilada pelo governo, Ping Fu foi para os EUA para revolucionar a arte 3D
“Eu sabia que eles vinham atrás de mim”, conta Ping Fu. O ano era 1966, o começo da Revolução Cultural da China com Mao Zedong, e ela tinha 8 anos de idade. “Eu ouvi um grande barulho no jardim e vi a Guarda Vermelha, minha mãe chorava e dizia ‘ela é tão pequena’, mas eles me pegaram e eu não tive nem chance de abraçá-la. Fui tirada de Xangai, a única casa que eu conhecia.”
Separada de seus pais, Ping e sua irmã caçula foram deixadas em um orfanato em Nanjing, onde ela viveu por dez anos. Lá, sofreu uma lavagem cerebral, passou fome, foi torturada e estuprada e se tornou uma operária sem escolaridade adequada. Anos depois, quando as escolas reabriram, Ping começou a reconstruir a sua vida como estudante da Universidade Suzhou. Durou pouco. Meses depois da formatura, seu trabalho sobre infanticídio feminino na parte rural da China chamou atenção de imprensa. Ela foi presa e mandada ao exílio.
Ping começou sua vida nos Estados Unidos falida, sozinha e sem saber mais do que três palavras em inglês. Ela conseguiu pagar a escola fazendo vários bicos e conquistou o diploma em ciência da computação. Em 1997, lançou a empresa de tecnologia Geomagic com seu marido, para a criação de um software 3D para customizar a fabricação de produtos, que iam de tênis personalizados a próteses para a Nasa. Em 2005, sua empresa já tinha uma receita de US$ 30 milhões e ela foi eleita pela revista “Inc.” a empresária do ano.
Hoje, a chinesa faz parte do Conselho Consultivo Nacional sobre Inovação e Empreendedorismo do governo Obama e venderá a Geomagic para a 3D Systems, de impressoras 3D, na qual será a chefe de estratégia. Assim, pretende realizar seu sonho de “revolucionar a fabricação americana”.
Cultivar resiliência nos momentos mais sombrios
“O país estava um caos.” Como Ping nasceu em uma família rica e intelectual, seus pais foram mandados para o campo para serem “reeducados” enquanto ela e sua irmã de 4 anos moraram no orfanato. “Diziam-nos que nós não éramos ninguém, que os nossos pais cometeram crimes contra o povo e que estávamos lá para nos redimir dos nossos pecados”, lembra. “Eles usaram troncos de lama e árvores para nos alimentar, fomos colocadas em um lugar para testemunhar o assassinato de nossos professores.”
Seu momento mais sombrio veio aos 10 anos, quando um grupo de garotos a perseguiu, deixou-a inconsciente e a estuprou. Em vez de dar aconselhamento e consolo, seus colegas a apelidaram de "sapato quebrado", uma expressão chinesa para mulher arruinada. "Durante muito tempo eu pensei que a morte seria melhor do que viver", conta Ping. "Mas eu tinha uma irmã mais nova, não sabia o que iria acontecer a ela se eu não estivesse lá. Foi a responsabilidade que me manteve viva."
A resiliência cultivada por Ping nos momentos mais sombrios a preparou para os seus últimos anos como CEO de uma startup. "Eu sou muito boa em autoaprendizagem, porque não fui à escola. A mudança não me assusta. A capacidade de mudar e a autoaprendizagem são habilidades que qualquer empresário precisa ter para abrir uma empresa." Adaptar-se a uma terra estrangeira.
Aos 25 anos, deram a Ping duas semanas para deixar o país. Ela voou para São Francisco com apenas US$ 80, o suficiente para comprar uma passagem para Albuquerque, onde ela iria estudar inglês na Universidade do Novo México. Mas, quando chegou ao balcão do aeroporto, o preço do bilhete tinha subido. "Faltavam US$ 5 e não consegui uma passagem", lembra. "Mas o homem atrás de mim me deu o dinheiro que faltava e eu aprendi uma lição: sempre erre para o lado da generosidade."
Sem amigos ou dinheiro, a recém-chegada se apoiou na ética no trabalho: foi babá, limpou casas e serviu mesas. Foi o suficiente para cobrir as mensalidades e o aluguel de um apartamento infestado de baratas. Ela se destacou em ciência da computação porque a linguagem não dependia do inglês. Trabalhava tanto que não tinha vida fora do escritório. “Eu me sentia muito sozinha, sem tempo para vida social e, quando me tornei uma empresária, descobri que o trabalho de CEO era muito solitário.”
Mais tarde, Ping se apaixonou por um professor de matemática, com quem se casou e teve um filho. Seu novo trabalho no Centro Nacional de Aplicação de Supercomputadores trouxe experiência com projetos 3D, base para fundar a Geomagic.
Aprender a ser uma líder
“Eu me considero uma empresária relutante”, afirma Ping. “Começar um novo negócio é como ter um filho, assim que você põe para fora, não tem como voltar atrás.” Mesmo assim, todo mundo falava em iniciar uma empresa de tecnologia no final dos anos 90 e ela se encantou com a ideia de fabricação personalizada. Em vez de produção em massa de um item, ela imaginava produção em massa de peças únicas, cada uma adaptada às necessidades individuais do cliente. A Geomagic criou um software de mapeamento 3D que poderia tornar essa ideia realidade.
Como CEO da Geomagic, Ping foi bem-sucedida ao lançar uma outra visão para investidores. Segundo ela, a humilhação pública que sofreu dos soldados da Guarda Vermelha apagou qualquer medo do palco. Conseguiu US$ 6,5 milhões rapidamente.
Mas ainda havia resquícios da lavagem cerebral, de que ela não era ninguém. Ping decidiu contratar alguém do ramo para ajudá-la a formar a empresa. Chamou um grande nome da IBM, mas “ele não tinha experiência com startups”. Foi quando seu instinto de sobrevivência falou mais alto. Em três meses, a empresa fechou três grandes contratos.
"A impressão 3D é o próximo grande passo", diz Ping, ao confessar suas negociações com a 3D Systems. "Isso vai mudar completamente a forma como os produtos são projetados e feitos." A tecnologia já existe para imprimir artigos de consumo personalizados, como acessórios, sapatos, materiais de construção e até mesmo carne.
O que vem pela frente? “Quero fazer coisas que hoje criem empregos e contribuam para a economia, mas que amanhã também nos ajudem a ser uma sociedade mais sustentável. Eu tinha uma visão para avançar e aplicar a tecnologia 3D para o benefício da humanidade. Isso nunca mudou.”
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